terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Meus pensamentos são como florestas mortas submersas no lago negro." (?)

Há alguns anos isso faria sentido para mim, mas hoje não. Hoje, meus pensamentos se assemelham mais a um filhote de suricate com golfinho a lado imitando uma andorinha com ataque epilético que não sabe voar, se é que você me entende. Quando foi que o subconsciente macabro deu espaço para o protótipo de suricate-andorinha-golfinho? Eu não sei, mas se o conjunto da obra produzir algo mais útil, eu aviso.

Beijo.



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Certo dia, em algum momento de julho de 2008 – foi a última vez em que eu lhes dirigi a palavra. Acho que merecemos então uma reapresentação. Não tenho nada de bonito para dizer, na verdade eu queria apenas dizer que estou vivendo, e viver é uma coisa rara, a maioria das pessoas existe apenas. Três anos se passaram e as pessoas mudam, as coisas mudam, eu mudo, você muda, os planos, os sonhos, o futuro, tudo muda, até as meias agente muda.
Assim que eu tiver alguma coisa boa para dizer, eu volto... e prometo não demorar três anos para fazer isso.
Beijo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Réquiem por um fugitivo

"Não que eu tivesse medo. Mas ele era excessivamente pálido. Mesmo sem ter nunca encarado o seu rosto eu já sabia de sua palidez, como sabia de sua frieza sem precisar tocá-lo. Estava ali desde muito tempo, desde antes de mim. Eu o via desde muito pequeno, quando minha mãe abria o guarda-roupa e eu conseguia perceber no meio dos vestidos as suas mãos demasiado longas. No começo não tinha voz para perguntar quem era, o que fazia. E quando finalmente tive voz e tive movimentos, já não era necessária nenhuma pergunta, nenhuma curiosidade. Sabia-o ali, no meio dos vestidos e dos chapéus. Sabia-o ali, pálido e frio, praticamente ausente. Às vezes me comoviam a sua solidão e a sua lealdade: nunca vira minha mãe agredi-lo mas, por outro lado, também nunca a vi tomar conhecimento dele. Nem por isso ele solicitava qualquer atenção. Estava apenas ali, tangível e remoto como a parede do fundo do guarda-roupa.
(...)
Hoje de manhã armei-me de toda coragem e abri a porta do guarda-roupa. Ele estava lá, no mesmo lugar. Foi só então que tive a minha suspeita — pois até esse momento não passara de uma suspeita — confirmada. As dúvidas se diluíram e eu tive certeza: tratava-se realmente de um anjo. Não sei se arcanjo ou serafim, mas indubitavelmente, irreversivelmente, inconfundivelmente — um anjo. Olhei-o, então. Acreditei que o momento houvesse chegado, e olhei-o. Confesso que esperava um sorriso ou qualquer outra manifestação dessas de afeto. Mas não houve nada disso. Não pude sequer perceber se era moreno ou louro, castanho ou ruivo. O que aconteceu foi apenas um clarão enorme e um ruído quase ensurdecedor de asas... como se diz mesmo?... ruflando, é isso: um ruído quase ensurdecedor de asas ruflando. Em seguida saiu pela janela aberta, alcançou os galhos mais altos dos plátanos desfolhados e desapareceu. Julguei ainda ouvir a voz dele dizendo que voltaria, mas não explicou quando.
O que nunca pensei é que pudesse ser assim tão vazia uma casa sem um anjo. Dentro de mim existe alguma coisa que espera a sua volta, de repente, não sei se pela janela ou se aparecerá novamente no mesmo lugar. Para prevenir surpresas, tenho deixado sempre abertas todas as janelas e todas as portas de todos os guarda-roupas. "



(Caio F. - Réquiem por um fugitivo)